Sempre que visito minha cidade Bagé, não deixo de acompanhar as notícias do Minuano, jornal local pelo qual tenho muito apreço e respeito. A edição do dia 21 de fevereiro me deixou um pouco triste, quando me deparei com a notícia da morte de um grande gaúcho. Transcrevo abaixo o belo texto do amigo Cláudio Falcão (publicado na página 9 do referido jornal) que conta um pouco da história desse que era um dos últimos gaúchos autênticos ainda vivos.
No mês de janeiro, mais precisamente no dia 15, um gaúcho foi morto a golpes de facão. Lamentavelmente foi o primeiro homicídio em Bagé no ano de 2011. Seu nome era Aclício Zaragoza Ramos, uruguaio de nascimento, conhecido no vasto mundo rural apenas como Creca Zaragoza. Barbaramente assassinado aos 71 anos de idade, foi encontrado sem vida em frente a própria casa. Zaragoza simbolizou com sua morte mais um passo na direção da perda dos valores morais da sociedade atual. Quando jovem, ainda no Uruguai, entre changas e mandados, ganhava “algunos pesos” boleando avestruzes (emas) para tirar as penas e vender o produto de sua habilidade. Zaragoza foi o que se pode chamar de homem campeiro. Sua maior paixão era lidar com cavalos, domando-os. Também lhe agradava andar pelas estradas e caminhos da fronteira, que conheceu como poucos. Sua dedicação integral à doma e sua maneira de tratar a cavalhada lhe garantiam uma relação superior com os potros. Com poucos dias de trabalho já o seguiam com fidelidade e confiança. Várias centenas de baguais passaram por suas mãos calejadas e habilidosas. Domou em inúmeras estâncias e, em algumas delas, era o único domador aceito pelos proprietários. Se o “Creca” não podia domar, que os potros esperassem. Era comum vê-lo, estrada a fora, com mais de 20 cavalos. Todos em trabalho de doma, uns mais adiantados, outros mais brutos, aprendendo com o mestre e com os redomões. Sua rara habilidade com a potrada lhe conferia uma capacidade de deslocamento incrível. De madrugada saía de algum pouso no lado brasileiro e, ao entardecer, já estava muito longe, Uruguai adentro. Mas sempre retornava. Foi o primeiro homem rural da região a ser homenageado em música. Noel Guarany o citou na letra da chamarrita “na baixada do Manduca (“...e o careca Zaragoza nem liga pras gineteada...”). Eron Vaz mattos também o homenageou na música “Rincão dos touros”(“...e o Zaragoza criollo desta fronteira, contrabandeou a própria vida para aqui...”).
Creca era também um exímio ginete, com participações em inúmeras festas gaúchas onde a gineteada era a marca forte e nelas recebeu vários prêmios. Sendo assim, não surpreende que tenha andado por São Paulo, em fazendas do interior, domando e gineteando. Ele próprio contava que tinha um bom salário e um futuro promissor por lá, mas que decidiu voltar por sua saudade. Era aqui a sua vida. De personalidade forte e atento observador do mundo ao seu redor, não deixava de expor suas críticas ao que achasse que não estava correto. Geralmente tinha razão dizem os seus amigos, que foram inúmeros. Mesmo com o jeito rude de homem campeiro, sabia portar-se com quem quer que fosse. Sua vida foi marcada por episódios interessantes que destacavam sua maneira de ser. Numa certa ocasião, em uma cabana, permitiu que as filhas do patrão montassem os potros que domava. O pai, ao avistar as crianças montadas no cavalo aproximou-se agitado e o questionou. Zaragoza com a calma de sempre disse-lhe: “Você chegou gritando e já me deixou os cavalos nervosos. Eu entendo do meu ofício e não opino no seu, que não conheço. Se você me pedisse para montar, eu não deixaria, mas as meninas tem condição de montar, por isso eu deixei”. Desarmou o homem. Dizia ter muito carinho pelos cavalos que domava (que chamava de “meus cavalos”). Segundo contava, eram todos seus amigos. Apesar de ser um homem cordial e prestativo, não levava desaforo pra casa. Acostumado ao rigor da lida campeira, Zaragoza não era de “laçar com sovéu curto”. Se lhe agredissem, de alguma forma, sabia defender-se e não era de intimidar-se assim tão fácil. Talvez isso lhe tenha custado a vida. Com ele se foi boa parte da vida gauchesca. Alguns intelectuais dizem que o gaúcho já morreu. A sociedade contemporânea, com total ausência de referenciais culturais e movida pela bestialidade assassina, mata os poucos gaúchos que ainda existem.
Fotos – Eron Vaz Mattos
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